Reza a lenda que certo dia no laboratório de Los Alamos, um grupo de jovens cientistas discutia animadamente a possibilidade de vida extraterrena. Concluíram que os extraterrestres deveriam existir, afinal, o Universo é infinito e nós não devemos ser os únicos seres inteligentes em todo esse espaço. Seria então que o físico Enrico Fermi, que estava ouvindo a conversa, teria se levantado em resposta e professado a célebre frase "Então onde eles estão?". Como Fermi era brilhante e muito famoso, sendo o inventor entre outras coisas do primeiro reator nuclear, desta simples frase nascia o ‘paradoxo de Fermi’, um dos principais argumentos usados para afirmar que nós estamos sozinhos. Segundo ele, se os ETs existem, eles já deveriam ter pousado na frente da Casa Branca.
Há sérios problemas com essa lenda. O principal é que ela indica algo que simplesmente não é verdade: ao contrário do que muitos pensam, Enrico Fermi de fato acreditava na existência de vida extraterrestre. Outro problema não só com essa lenda, mas com o conhecimento popular, é o de que o paradoxo de Fermi serve para provar que ETs inteligentes não existem. Se este fosse o caso, o paradoxo não existiria: ele é justamente um paradoxo porque qualquer resposta que se dê a ele é paradoxal. Seja ela a existência ou mesmo a inexistência de vida extraterrestre inteligente.
Uma versão mais verossímil sobre a origem do paradoxo de Fermi diz que nos anos 50, ainda em Los Alamos, Enrico Fermi estava pensando sobre a vida extraterrestre em seu escritório no andar superior, e embora sempre tenha simpatizado com a idéia, percebeu que as descobertas recentes cada vez mais aceitas da cosmologia indicavam que nosso Universo teria de 8 a 18 bilhões de anos (atualmente, estimativas mais precisas indicam 12 bilhões). Ele notou que com tanto tempo e com tanto espaço, alguma civilização extraterrena não só deveria ter surgido, como também já deveria ter colonizado toda Galáxia. Frustrado com a ausência de evidências que apoiassem essa conclusão, desceu perplexo as escadas para o refeitório lotado de cabeças brilhantes e perguntado em voz alta: "Onde eles estão?"
E ele recebeu uma resposta. Leo Szilard teria retrucado "Eles já estão aqui. Mas chamam a si mesmo de húngaros". Essa era uma referência a uma piada (ou não?) corrente no departamento de física teórica segundo a qual há milhões de anos os marcianos precisaram deixar seu planeta e pousaram no que hoje é conhecido por Hungria. Conseguiram adaptar-se e parecer-se com os macacos falantes que habitavam a Terra, mas três características eram muito fortes para ser escondidas: sua vontade de viajar (húngaros estariam por todo o mundo), sua língua (única e diferente de todas circunvizinhas) e sua inteligência (muitas das melhores mentes de Los Alamos eram húngaras. Incluindo Szilard, Von Neumann). Essa versão sobre a origem do paradoxo de Fermi é mesmo confirmada por Edward Teller, tido como pai de bomba de hidrogênio, e ele mesmo um marciano, digo, húngaro. Será que essa versão do paradoxo de Fermi é pouco conhecida porque os húngaros-marcianos conspiram para que o vazamento do segredo a Fermi não alcance o público? Sem dúvida, a verdade está lá fora…
Em todo caso, notar que o próprio Fermi era um simpatizante da existência de seres inteligentes fora da Terra ilustra perfeitamente a profundidade do paradoxo. Parece uma ironia sem sentido que um simpatizante da idéia de ETs tenha criado um argumento usado por pessoas que não acham ETs muito atraentes, por assim dizer. Mas entender a fundo o paradoxo pode mostrar que seria esperado que um defensor bem-informado e genial da idéia de ETs deveria ter sido o primeiro a enxergar a contradição. Ela é uma contradição, não uma afirmação. Isso deveria ser óbvio, mas infelizmente parece não ser a muitos.
Existem duas respostas principais e óbvias ao paradoxo: ETs inteligentes existem ou simplesmente não existem. Ambas respostas têm sérios problemas, e isso é justamente o que leva a uma contradição, a um paradoxo. Vamos abordar primeiro a resposta mais comum no meio ufológico.
Pois bem, suponha que ETs existam. Mais, que o Universo esteja pululando de civilizações diferentes, com diferentes índoles, objetivos e crenças. As respostas usuais para que nenhuma delas tenha resolvido colonizar a Terra apela para motivações comportamentais, ou seja, algo no comportamento destas civilizações impede que elas nos colonizem de forma óbvia. Essas respostas comportamentais podem ser divididas em três categorias.
A primeira é a de que todas civilizações que dominam a tecnologia de viagem espacial também dominam a tecnologia de se auto-aniquilar. E de que boa parte delas infelizmente acaba aplicando esta última tecnologia, por diversos motivos. A mesma seleção natural que pode ter criado vida inteligente por todo o Universo condena esta vida a uma competição contínua, que leva à guerra, que combinada com tecnologia leva ao apocalipse. Olhando para nossa própria civilização, vemos que esta resposta, embora pouco atraente, parece ser a que possui mais embasamento por experiência.
A segunda categoria, e a que parece ser mais atraente, é a de que as civilizações que não se aniquilaram são capazes de perceber a importância da própria vida e outras baboseiras espirituais ou motivações éticas quaisquer, e assim se importam tanto com a vida que não querem interferir nela. Então, ou elas resolvem não partir para a exploração do Universo e fecham-se em si mesmas para viver em paz e felizes (algo meio zen) ou partem para explorar o Universo mas de forma discreta, procurando sempre evitar quaisquer interferências (algo como ‘Jornada na Estrelas’).
A terceira categoria é a de que ao contrário da anterior, as civilizações que desenvolvem a tecnologia de viagem espacial acabam rapidamente tornando-se desenvolvidas a ponto de perder completamente o interesse por seres atrasados como nós e mesmo dos recursos que planetas como o nosso poderiam oferecer, ao passo que sua presença acabaria tornando-se invisível devido à sua integração com os processos naturais do Universo. Uma idéia sem dúvida muito próxima de ficção científica – de fato, tema de algumas histórias deste gênero. Tais civilizações acabariam ‘transcendendo’. Seu processo de pensamento poderia ser acelerado através da integração de sua biologia com sua tecnologia, e a passagem de tempo subjetiva a eles seria mínima. O que para nós é um segundo, para eles pareceria milênios. E não haveria a menor razão para que eles se interessassem por nós. Eles poderiam estar resumidos à escala nano ou picoscópica, e através de enorme otimização seu processamento de dados e manipulação de energia seria praticamente indistinguível de flutuações quânticas aleatórias, ou simples ruído. Um dos proponentes da resposta transcendental ao paradoxo de Fermi é Ray Kurzweill, famoso inventor e tido como prodígio.
O problema com todas respostas comportamentais é que elas deveriam se aplicar a todas as civilizações, sem absolutamente nenhuma exceção. É possível imaginar que a maioria das civilizações se aniquile, que boa parte transcenda, e que o resto resolva aderir até mesmo a uma benigna ‘Federação dos Planetas’ que siga à risca uma ‘Primeira Diretriz’. Mas com tanto espaço, com tanto tempo, é difícil imaginar que nenhuma civilização tenha ao mesmo tempo desenvolvido tecnologia e vontade de colonizar a Galáxia. Olhando para nós mesmos, o único exemplo de civilização que conhecemos, esse parece ser nosso caminho. Por que não o de outras, de incontáveis outras civilizações? Isso inclui a idéia ingênua de que os ETs estão aqui e se escondem com a ajuda dos governos. Algun
s ETs poderiam aderir à idéia mesmo que ela fosse praticável, mas todos, sem exceção, é algo estranho. E uma presença óbvia deveria ser realmente óbvia, não apenas visível aos que simplesmente acreditam.
Uma idéia é a de que uma benigna Federação dos Planetas resolva impedir aqueles que tentem a empreitada de colonizar a Galáxia. Mas isso apenas leva à idéia de guerras espaciais! Seria possível que, como nos filmes, o bem sempre vença? Outro problema: não seria o próprio ato de impedir uma civilização de colonizar outros planetas uma interferência com o curso normal dela? Seria isso o ‘bem’? A ética de tal ‘Federação dos Planetas’ é posta à prova, e sinceramente, não parece ser muito consistente.
O paradigma mais vigente entre cientistas, ainda simpatizantes da idéia de que seres extraterrestres inteligentes existam, é o de que a viagem espacial é muito dispendiosa. Um notável adepto deste paradigma foi Carl Sagan. Essa idéia explica porque ele defendeu por toda a vida a possibilidade de existência de vida extraterrestre, ao mesmo tempo em que mostrou-se cético com relação à alegações de que OVNIs seriam naves extraterrestres. Isso também justifica sua defesa apaixonada – e com sucesso – do SETI. Se os ETs não viajam, eles ainda podem se comunicar – o que é relativamente pouco dispendioso – e não custa muito tentar ouvir.
Mas mesmo a idéia defendida por Sagan tem problemas, e problemas sérios. O que freqüentemente se fala, principalmente entre ufólogos, é que dizer que a viagem espacial é excessivamente dispendiosa é limitar o avanço de eventuais civilizações ETs ao nosso próprio estado atual. Além disso, nada indica que nosso estado atual de tecnologia seja definitivo. Incrivelmente, estes são argumentos razoáveis, mesmo a demonstrações de quanta energia seria utilizada em tais viagens. Hoje em dia nós usamos mais energia em um ano do que nossos antepassados usariam em toda uma vida. Mas há um argumento ainda mais decisivo contra a idéia de que a viagem espacial não seria prática.
Já em 1970, o astrônomo Michael Hart argumentou que mesmo a 0,1c (um décimo da velocidade luz, ou 30.000Km/s) seria possível cruzar toda Galáxia em poucos milhões de anos. No ano passado, outro astrônomo, Ian Crawford, publicou na Scientific American um artigo ainda mais incisivo: com nossa tecnologia atual, poderíamos alcançar a estrela mais próxima de nós, Alfa do Centauro, em 100 anos. Supondo que quando chegássemos lá levássemos 400 anos para criar uma segunda onda de colonização com duas naves para outras duas estrelas próximas e assim sucessivamente – estimando assim um período de 500 anos para cada onda de colonização – levaríamos de 5 a 50 milhões de anos para colonizar toda a Galáxia. Ou seja, com nossa tecnologia atual e muito esforço já poderíamos nos fazer notar por toda Galáxia em um piscar de olhos – em termos astronômicos, com um Universo de 12 bilhões de anos de idade. A viagem espacial pode ser dispendiosa, mas é difícil imaginar que isto limite uma civilização à proximidade de seu planeta por tempo indefinido, ainda mais quando sabemos que as estrelas não têm vida eterna. Algo dispendioso não é algo impossível.
Uma classe diferente de resposta é o ‘Grande Filtro’, que situa-se no limiar de afirmar que ETs não existem. Eles existem, ou teriam existido, e espalhado por todo Universo máquinas destinadas a exterminar qualquer civilização que se faça muito notada ou que resolva colonizar a Galáxia. Qual o objetivo deste ‘Grande Filtro’? Não se sabe ao certo, e em verdade, não importa. A civilização que criou este ‘Grande Filtro’ pode ter uma lógica e motivações próprias, incompreensíveis a nós, mas com efeitos claros e decisivos sobre todos que resolvam se fazer notar por toda Galáxia. Mas, e quanto à civilização que criou o ‘Grande Filtro’? Onde ela está? Talvez ela mesma tenha se extinguido, e suas máquinas continuem funcionando. Não se sabe, porém embora pareça muito estranha, a idéia do Grande Filtro é uma das que mais fazem sentido para explicar o Grande Silêncio. O Grande Problema com o ‘Grande Filtro’ é que não parece funcionar muito: nós já podemos nos fazer notar razoavelmente bem, estamos prestes a colonizar outros planetas, e nada apareceu para nos aniquilar. Até o momento, pelo menos.
Enfim, não há nenhuma resposta completamente satisfatória que explique porque, se os extraterrestres existem, nós não os notemos de forma óbvia. Podemos cogitar sobre o comportamento de tais ETs, mas é inviável imaginar que não exista nenhuma exceção. Podemos ainda imaginar um Grande Filtro, mas ele ainda não nos filtrou. Podemos constatar o quanto é difícil viajar entre as estrelas, mas isso certamente não é algo impossível. O paradoxo de Fermi revela sua profundidade: Se eles existem, onde eles estão?
Muitas vozes se levantam agora e dizem: ‘Eles não estão em lugar algum’. Esta é uma resposta simples, muito aceita por pessoas bem-informadas e razoavelmente satisfatória. Seres extraterrestres inteligentes podem simplesmente não existir. É preciso lembrar entretanto que ela também tem sérios problemas, porque é uma conclusão que dificilmente pode ser provada, e nada indica sequer decisivamente para ela até o momento.
O paradoxo de Fermi é um paradoxo justamente porque ‘eles’ deveriam existir segundo nosso conhecimento científico, que o próprio Fermi conhecia bem assim que a ciência tornou-se suficientemente sólida para permitir pensamentos sobre o tema e incrivelmente, continua a apoiar a idéia até hoje, cinco décadas depois. Não sabemos de nada que impeça a existência de outras civilizações, e como sempre foi regra, o que não é impossível geralmente acaba ocorrendo na natureza, mesmo que seja um tanto improvável. Mas talvez ocorra apenas uma vez se for algo excessivamente improvável. E nós seríamos esta única vez.
Há algumas décadas, a maioria dos que advogavam a raridade de inteligência no Universo acreditava que sistemas solares seriam raros, formados por processos talvez mesmo catastróficos, como por exemplo uma estrela passando perto ou – pasmem – chocando-se com outra. As chances de que isso ocorra são ínfimas, e se os sistemas planetários tivessem origem catastrófica, deveriam ser de fato raríssimos. Mas recentemente, a detecção de planetas extrasolares tornou-se possível e mesmo comum, e nós conhecemos mais planetas fora de nosso sistema solar do que dentro dele. Isto é algo histórico: uma grande evidência a favor do princípio de Copérnico, segundo o qual nós não somos extraordinariamente especiais, o que deve incluir nossa inteligência. A descoberta de diversos planetas extrasolares praticamente aniquilou a idéia de formação catastrófica dos sistemas planetários, e hoje em dia hipóteses evolutivas de formação, como uma própria conseqüência da formação de estrelas são dominantes. Devem existir quase tantos sistemas planetários na Galáxia quanto existem estrelas, e existem centenas de bilhões de estrelas em nossa Galáxia.
Assim, um dos principais argumentos sobre nossa singularidade passou a ser nossa Lua. Hoje acredita-se que nossa Lua formou-se não só por um processo catastrófico – o choque de um meteoro com a Terra – mas de um processo com características determinadas extremamente limitadas, e portanto algo raríssimo. De fato, nosso sistema Terra-Lua mal pode ser chamado de um planeta e um satélite, pois está próximo de algo que realmente deve ser muito raro: um sistema de planetas duplo, que ainda por cima situa-se na ecosfera de uma estrela.
Se a colisão que teria formado nossa Lua tivesse sido levemente diferente, a Lua poderia ter escapado ou boa parte dela teria caído de novo na Terra e ela seria bem menor. Ou poderiam existir várias luas menores. Nenhum outro planeta de nosso sistema solar tem um satélite que pode ser comparado ao que a Lua é para a Terra.
E a Lua é importantíssima para a vida como nós
a conhecemos. Ela estabiliza o eixo de rotação de nosso planeta, impedindo que os pólos gélidos tornem-se equadores quentes a todo momento. Ela é a grande responsável pelas marés intensas que temos, que podem ter sido decisivas para a passagem da vida do mar para a terra. Ela levou a dose exata de massa da Terra para que nosso planeta tivesse placas tectônicas que se movem com relativa rapidez, o que contribui – e muito – para que tenhamos grandes continentes e grandes mares, que se movimentam e aceleram grandemente o processo de evolução. Existem incontáveis outros fatores pelos quais devemos à Lua nossa existência, e talvez os povos antigos estivessem certos ao venerá-la. Muitos cientistas acreditam que a Lua é a grande responsável por nossa existência. E se a formação da Lua foi fruto de um enorme acaso, algo raríssimo, então vida inteligente como nós deve ser igualmente raríssima.
Poderíamos nos estender sobre os diversos aspectos que podem nos fazer únicos, mas a maioria deles deve mudar com o tempo, à medida que novas descobertas sejam feitas. Isso não indica que são inválidos, nós devemos ser realmente especiais, mas é de toda forma praticamente impossível provar que a vida extraterrestre inteligente não existe. Podemos observar que não há prova de que ela existe a despeito de intensas buscas neste sentido, e podemos descobrir o quão raras foram as condições que permitiram o nosso surgimento.
Mas como Sagan imortalizou em uma célebre máxima, "Se nós estamos sozinhos, o Universo seria um grande desperdício de espaço". O Universo é muito imenso, mesmo nossa Galáxia já é muito imensa, e existiu há tanto tempo para que mesmo uma possibilidade ínfima leve a dezenas, talvez centenas de civilizações a existir. Mesmo limitando o conceito de civilização a algo próximo de nós mesmos. Isso pode ser criticado como uma brincadeira com números grandes, mas quando falamos de nosso Universo, essa brincadeira deve ser levada a sério. Nosso Universo é muito grande, e é muito velho – em termos biológicos. A despeito de novas descobertas relativas à nossa singularidade, e a despeito das que possam surgir, a descoberta recente a respeito da quase onipresença de sistemas planetários contrabalança o que parecia um jogo ganho. Em verdade, no momento o jogo deve estar pendendo justamente para o lado oposto.
Os extraterrestres deveriam existir. Mas se eles existem, eles deveriam estar aqui de forma óbvia. Eles não estão aqui de forma óbvia. Entender a perplexidade que levou Fermi a perguntar "Onde eles estão?", perplexidade que resiste a inúmeras descobertas e mesmo revoluções em diversos campos da ciência relacionados nestas cinco décadas, é entender o que deve ser um dos maiores enigmas que a ciência do século XX nos deixou. Um paradoxo ao qual qualquer resposta tem sérios problemas, e ao qual a resposta verdadeira deve portanto ser histórica e em si uma enorme revolução sobre nossa posição no Universo. Afinal, "onde eles estão?"